De acordo com a especialista, busca desenfreada por um estado de alegria contínua pesa contra uma vida plena
Uma senhora mansa, bonita e justa, dona do “espaço em que se encontram as coisas que amei e perdi, entre o belo e o efêmero”. É com essas palavras crivadas de poesia que o escritor mineiro Rubem Alves (1933-2014) define a tristeza.
Sentimento que, segundo a psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental, Renata Borja, é essencial na busca pela felicidade, com o que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) concorda: “apenas a tristeza da mais profunda felicidade, e nenhuma tristeza mais”, escreveu.
Já no samba-canção “Bom Dia, Tristeza”, que a cantora Maysa lançou, em 1957, os compositores Vinicius de Moraes e Adoniran Barbosa se achegam à protagonista de forma contraditória, numa chave que talvez ajude a desvendar o mistério em torno desse sentimento: “Bom dia, Tristeza/Que tarde, Tristeza/Você veio hoje me ver/Já estava ficando até meio triste/De estar tanto tempo longe de você”.
Renata explica que “a tristeza é uma emoção natural e necessária, como qualquer outra emoção”. “Todas as nossas emoções têm função e podem nos ajudar em diferentes momentos. A tristeza geralmente vem acompanhada de uma percepção de perda, falta”.
Avaliar eventos passados com negatividade, numa espécie de sublimação nostálgica, ou assimilar rótulos que nos incutem a noção de fracasso também contribuem para a tristeza, a partir de “ideias de rejeição, inadequação, não pertencimento, falta de valor, culpa, desamparo, desesperança, impotência, saudade, desapontamento e desamor”.
Em busca da felicidade
A psicóloga aponta exemplos sociais, como acreditar que não é querido pelos outros, por, supostamente, se sentir “estranho”. A outra via dessa mão dupla é que, na visão da especialista, “a tristeza é a emoção que nos ajuda a ter uma conexão verdadeira”.
“Quando estamos tristes, podemos buscar o suporte de alguém para ajustar nosso humor, ou quando alguém perto de nós fica triste, é natural que sintamos um pouco de tristeza pelo outro. Essa tristeza que ativamos quando alguém perto de nós sofre é a capacidade de ter empatia”, salienta. A tristeza, portanto, seria responsável por despertar “solidariedade e compaixão”. Ou, como poetizou o britânico William Blake: “O gozo fecunda, a tristeza dá à luz”.
Listado entre os dez melhores filmes de todos os tempos pelo Instituto Americano de Cinema, o clássico “A Felicidade Não Se Compra” (1946), de Frank Capra, apresenta justamente essa mensagem. Na véspera de Natal, um homem de meia-idade desapontado com a vida que está levando resolve se suicidar, quando é demovido por seu anjo da guarda, que o convence do amor e carinho de todas as outras pessoas à sua volta, que compartilham com ele o mesmo sofrimento.
“Querer não sentir tristeza só nos fará sentir mais tristeza, uma vez que essa é uma meta inalcançável, visto que a tristeza é natural e necessária. Portanto, quando alguém ‘busca a felicidade’, é provável que encontre mais tristeza. Mas, se reconhecermos que sentir tristeza é normal e que as nossas emoções são temporárias e passageiras, teremos mais chances de alcançar a felicidade”, sublinha Renata. Logo, a questão cultural interfere de maneira decisiva nessa equação.
“Quanto mais se falar sobre tristeza como algo a ser evitado e valorizar o prazer sem significado, mais tristeza encontraremos e, consequentemente, um aumento da depressão. Quando desvalorizamos emoções como tristeza, ansiedade, raiva e nojo e supervalorizamos a alegria, estamos fadados ao fracasso. Não há como sentir alegria se não conhecemos a tristeza”, assegura a psicóloga. Ela acredita que a cobrança incessante pela felicidade em tempo integral seja um fenômeno recente e multifatorial.
Sem romantizar a dor
O aumento da expectativa de vida propiciado pelos avanços tecnológicos, associado à melhora das condições materiais para a maioria da população em comparação com o passado, teria gerado essa distorção da “obrigação de felicidade”. “Parece existir uma ideia de que só se pode sentir tristeza dentro de determinados acontecimentos, o que, na realidade, é um grande equívoco”, contesta a entrevistada. Em outras palavras, é preciso respeitar a individualidade de cada um. A tristeza, assim como a felicidade, é diversa e não aceita ser aprisionada na camisa de força da padronização.
Outro fator importante é a regulação emocional. “Os nossos fracassos e perdas podem nos ajudar a mudar de atitude numa situação ou num momento futuro. Aprender com os erros e dificuldades nos capacita e nos ajuda a crescer mais fortes”, destaca a psicóloga. Porém, é fundamental saber discernir a tristeza de outros estados afetivos, como a melancolia e a depressão, que podem gerar consequências severas.
Em relação à primeira, há “apatia e falta de ânimo para executar tarefas cotidianas, o que pode se agravar numa depressão”. Nesse caso, a psicóloga a descreve como “uma patologia cuja tristeza se estende por um tempo prolongado, um transtorno de humor deprimido por mais de duas semanas”. Sintomas como desânimo, modificação de apetite, alterações de sono, baixa autoestima, dificuldade de concentração e atenção e pensamentos pessimistas e sobre morte também devem ser observados.
Longe de ser um estado de alegria contínua, a felicidade estaria “na capacidade de aceitar os dissabores da vida, transformando-os em experiências enriquecedoras que nos dão sentido e significado”. “Quando damos significado a uma situação que nos trouxe tristeza, nos sentimos mais tranquilos e em paz para nos abrirmos para a felicidade”. Contudo, isso não significa romantizar a tristeza.
Acolhimento
“Quando eu falo sobre acolher a tristeza, não estou recomendando ficar remoendo problemas, ceder a comportamentos paralisantes, procrastinar, resignar-se, ficar passivo, negligente – o que só vai reforçar o problema. Isso não dá o direito às pessoas de julgar os deprimidos, porque em geral o julgamento e a cobrança acabam por agravar os sintomas depressivos”, alerta.
A postura ideal seria “acolher a emoção, sem precisar ficar julgando ou buscando explicações para ela”. “Sentir e se comportar são duas coisas diferentes, e é possível aprender a desenvolver comportamentos funcionais que nos ajudam a ter bem-estar, mesmo nos sentindo tristes”, sustenta. Renata discorre sobre a relação entre pensamento, emoção e comportamento, que, embora estejam conectados, são, na verdade, coisas diferentes.
“Apesar de termos alguns comportamentos mais comuns diante de cada emoção, as nossas emoções não determinam comportamentos. Não podemos controlar o que pensamos e sentimos automaticamente, mas podemos escolher o que fazemos com nossos pensamentos e emoções”, arremata.